Mas, muitos falam de outras, quase todos falam de outras. Quando me lembro destes comentários sento-me na minha cadeira, sozinha em minha casa, e questiono-me sobre o verdadeiro sentido dessas palavras. Estas, na verdade, simplesmente significam alguns apontamentos sobre a Maria da Graça Albuquerque, alguns mais sobre Augusta Vilar, um tributo a Luísa Queirós, um respeitável elogio a Mafalda Almada, ou ainda uma referência aos actos da Senhora Gomes da Silva. Mas, numa segunda revisão, estes comentários já não parecem tão simples. Talvez o seu verdadeiro sentido seja descrever a imagem que estas mulheres apresentam, ou uma ficção que é criada em volta delas, ou ainda o momento onde pára a imagem e começa a ficção em volta das mesmas. Sim… é este preciso ponto que acho mais interessante. Apesar, de imediato, me aperceber que não chego a conclusão alguma, leva-me a um pensamento e a uma acção: uma mulher deve usar luvas e uma bengala se quer ser comentada. Isto, como provei a mim própria, libertou-me do verdadeiro problema de passar despercebida. As pessoas procuram sempre uma história, histórias sobre mulheres, onde a realidade passa a ficção e esta mais tarde se torna real.
No ano passado, a propósito da comemoração do 150º aniversário da Revolução Francesa, recebi um convite para um jantar na Embaixada Francesa. O convite era dirigido a duas pessoas, Sra. Andrade e acompanhante. Tal acto pareceu-me quase insultuoso, pois todos sabem que não tenho companheiro. Apesar de tal desconsideração decidi comparecer. Algumas horas antes do jantar hesitei, pois achei que, mais uma vez, iria passar despercebida, que ninguém iria conversar comigo naqueles quinze minutos que antecedem a chegada de todos os convidados. Mas quando me preparava para me arranjar, fumando um cigarro, sentada na cadeira do meu quarto, olhei para a direita e vi a bengala da minha avó, que aliás foi a única coisa que me deixou. Nesse momento percebi que, apesar de não ter idade, nem de precisar de a usar, seria o melhor acompanhante que eu poderia ter. Ela dava-me a posição, o status. Mais, eu não a poderia largar, nem na festa nem nunca mais minha vida. Seria um novo membro corpóreo, uma relação de dependência de alguém que ficou debilitado. Seria, então, o meu acompanhante para sempre, o mais fiel, de quem eu poderia fazer o que quisesse. Até mesmo, quando chegava a casa, aí sim sozinha, sem ninguém
por perto, o poderia deixar a um canto. Por fim teria de novo a minha condição: uma mulher sem medo de não ser comentada.
Saí de casa para o jantar, de bengala e luvas postas, e ao entrar na Embaixada, enquanto tirava as luvas dando tempo para que me vissem, todos olharam para mim com um ar perplexo. Lançaram sobre mim, não um olhar de estranheza, nem de pena, mas um olhar de quem comentava um não sei o quê; que na realidade não me interessa em nada, mas que certamente seria resultado do meu novo estatuto, da minha nova imagem com o meu companheiro, que no final era eu, sozinha, igual ao de sempre, sem medo de ser comentada.
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